Resenha - Vida Maria de Márcio Ramos


Olá gente! Há quanto tempo, hein? Estava afim de atualizar aqui, mas não sabia bem com o quê (não queria publicar poema, já que as últimas atualizações foram com isso), então resolvi publicar essa resenha sobre a animação "Vida Maria" que escrevi com a minha colega Lívia França, para a disciplina de Políticas Públicas, orientada pela professora Drª Júlia Maria, no curso de Letras da UESC. Não é nossa  melhor resenha, aliás, é a nossa primeira resenha para a faculdade, mas esperamos que vocês gostem e se interessem em assistir a animação. Lá vai:

O curta-metragem Vida Maria, produzido por Márcio Ramos e lançado em 2006, é uma animação em 3D que, em oito minutos e trinta e três segundos, conta a história de Maria José, uma mulher que desde cedo é obrigada a largar os estudos para tratar de suprir as necessidades básicas da família.
A animação acontece no Nordeste, fato que podemos identificar pelo sotaque dos personagens e pelo cenário semiárido. Começa com a protagonista ainda criança que escreve tranquilamente seu nome em um caderno, quando de repente é interrompida por sua mãe que a obriga a parar de “fazer nada” e a cumprir com as obrigações de casa, que seriam mais úteis naquele momento.
Ao decorrer do filme, Maria vai crescendo e sua rotina permanece basicamente a mesma: trabalhar em prol de sua casa. Em determinado momento, encontra Antônio, com quem se casa e tem seus filhos, para os quais viverá em função até a hora de sua morte, assim como viveu sua mãe. Já mais velha, Maria tem uma filha a quem nomeia como Maria de Lurdes com quem a história se repetirá.
A animação retrata explicitamente os efeitos de uma condição econômica precária, na qual a escolaridade é quase utópica, já que a maior preocupação dos indivíduos daquele contexto é em suprir suas necessidades básicas, isto é, buscam o sustento suficiente para sobreviverem.
Podemos observar, também, a herança cultural (o que poderemos chamar também de educação) transmitida às mulheres, que são designadas ao trabalho interno: casa, família, comida e afins, enquanto que os homens se dão aos trabalhos fora deste ambiente, relação estabelecida há várias gerações, embora acreditemos que ambos os gêneros deveriam ter em comum a necessidade de trabalho cooperativo para a sobrevivência do grupo familiar.
Quando se fala em herança cultural, somos remetidos aos intelectuais J-C Passeron e P. Bourdieu (1975) que consideram a educação como reprodução social e cultural, o que pode ser exemplificado com a história de Maria, como já mencionamos acima. As experiências, a percepção de vida que sua mãe teve, serão transmitidas à Maria, que reproduzirá à sua filha e, assim, sucessivamente.
Analisando o filme sob outra perspectiva, podemos ainda compará-lo ao livro intitulado 1984 de George Orwell (ou sua versão cinematográfica), pois nos dois temos uma sociedade alienada e conformada com o seu estado. Em ambos, isso ocorre por falta de conhecimento e por informações fragmentadas que chegam até as pessoas, e é sabido que na vida real não é muito diferente. Sendo assim, os personagens podem representar a classe menos favorecida da nossa sociedade, a qual tem como prioridade os requisitos básicos de sobrevivência e o estudo não é um deles.
No que concerne à situação educacional vivenciada por Maria, de acordo com Gentili (1996) é uma educação verticalizada, na qual o conhecimento escolar é destinado com exclusividade para o maior detentor de capital financeiro, que produz conforme Milton Santos (2000) uma pobreza estrutural, a qual é resultado, dentre outras, da ausência de escolaridade para as classes pobres, sinônimo de perpetuação da pobreza existente.
Vida Maria, pode ser tomado como um exemplo clássico da Teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas, elaborada por Abraham Maslow, psicólogo referência na Psicologia Humanista, que dispôs hierarquicamente as necessidades dos seres humanos em estágios. Na base da pirâmide se encontra as necessidades fisiológicas, tais como: fome, sede, a respiração, a excreção, o abrigo e o sexo. De acordo com essa teoria, a vida das Marias, retratada no curta-metragem, está neste estágio, por essa razão a educação não se tornou uma prioridade. Na medida em que as pessoas suprem as necessidade de um estágio, ela partirá para outro e assim até atingirem o topo da pirâmide.
Neste contexto, observamos que a ausência da educação formal poderia mudar drasticamente a vida das pessoas que vivem como Maria. Para isso acontecer, o Brasil poderia, por exemplo, melhor distribuir a renda, pois esta continua concentrada nas mão de uma pequena parcela da sociedade, bem como materializar de forma eficaz e eficiente as políticas públicas existentes, sobretudo aquelas destinadas à educação, emprego, saúde, dentre outras, que poderiam provocar a ruptura com os ciclos de pobreza.
O filme Vida Maria nos faz lembrar do livro “O Quinze” de Rachel de Queiroz, publicado no ano de 1930, o qual retrata brilhantemente como é a vida no sertão. A autora tem um olhar minucioso ao descrever o cotidiano de uma grande família que, ao serem assolados por uma forte seca, se vêem obrigados a tentarem a vida em Fortaleza, capital do Ceará. Durante todo o percurso percorrido à pé até a chegada ao “Campo de Concentração”, lugar destinado aos flagelados da seca, miseravelmente, a família sofre com a fome e sede. A todo tempo têm que encarar a cobrança tão ingênua dos filhos por comida, por lazer, por descanso e pela falta do irmão, que morreu durante o percurso por comer uma raiz venenosa, devido à tamanha fome que sentia. A família também sofre por outro filho, que se juntou a outro bando de retirantes, o qual a família jamais voltou a vê-lo. Os retirantes sonham com dias melhoras, com educação para os filhos, com emprego, com a melhoria de suas vidas, e sim, com o dia que chovesse no sertão para poderem retornar à sua terra natal.
A autora não deixa claro o final dessa história, de certo que ao chegarem no Ceará, encontraram uma velha conhecida que lhes ajudaram a comprar passagens para São Paulo. Com muitas dificuldades eles embarcaram rumo ao novo estado, que a autora nos permite entender que a vida lá também não mudaria. Rachel de Queiroz, analisa o êxodo rural, realizado por pessoas que não têm escolaridade, as quais se tornaram mão de obra barata em São Paulo, que era o destino da maior parte dos nordestinos que fugiam da seca em busca de condições melhores para viver.
De certo, que a vida de Maria e de tantos outros brasileiros não mudará tão fácil: a tradição e a cultura impregnadas dificultam ainda mais essa mudança. Certos costumes, crenças e culturas machistas ainda não deixaram de existir. Hoje, embora algumas Marias possam escolher não ter um esposo, filhos ou seguir determinados paradigmas, outras, em contrapartida, se conterão em uma relação sexista que as impedem de desenvolver um papel diferente na sociedade, seja por dependência financeira, ou psicológica, já que vivem em situação de violência física e temem as possibilidades do que possa acontecer caso elas tentem romper.
 O que falta para as Marias da animação e tantas outras mulheres da vida real é a possibilidade de conhecimentos das informações, falta escolaridade. É preciso que lhes cedam espaço para o aprendizado, só então haverá uma consciência de que não há problemas em ser mulher, letrada e decidida. Os tempos mudam, as pessoas evoluem. Maria não deixará de ser mulher por não aceitar o que lhe foi posto, por romper paradigmas e por fazer escolhas que compete somente a ela decidir.
Por fim, vale ressaltar que o não entendimento de seus direitos e deveres, também silencia. A falta de responsabilidade por parte do Estado por fazer valer aquilo que lhe é obrigação, mascara as tantas faces do governo. Nunca se houve tanta vergonha em um Estado corrupto, estrategista, manipulador e extremamente capitalista, que deixa de lado os que têm menos e favorece sempre os que têm mais. As Marias são apenas mais algumas das vítimas deste sistema: meras reprodutoras da pobreza estrutural.

Bruna Regina Santos Silva e Lívia França

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